terça-feira, 17 de novembro de 2020

Mais além da acessibilidade física - a acessibilidade socioeconômica

A preocupação com o acesso a lugares, bens e serviços ultrapassa a prática da arquitetura e do planejamento urbano para entrar na agenda das reflexões sobre a longevidade. Mais pessoas idosas nas ruas e em suas casas colocam a acessibilidade no topo das discussões sobre como os espaços devem ser para oferecerem universalidade à demanda de moradia adequada e de locomoção segura. 

Surgido há 12 anos, o Programa Cidade Amiga do Idoso (OMS, 2008) indica 8 dimensões das cidades a serem avaliadas pelas pessoas idosas em seus pontos positivos e negativos. O Programa foi concebido na Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo médico brasileiro Alexandre Kalache, quando era diretor do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida.

 As 8 dimensões de avaliação de cidades e de comunidades são: ambiente físico, transporte, moradia, participação e trabalho, respeito e inclusão social, comunicação e informação, oportunidades para aprender, apoio e cuidado.

O Guia Global Cidade Amiga do Idoso se tornou mundialmente conhecido e aplicado a cidades e comunidades. Suas três primeiras dimensões, referentes à acessibilidade física, são muito abordadas. As outras cinco dimensões remetem às relações sociais de base socioeconômica, mais complexas.

Inspirada nas dimensões propostas pela OMS, ressalto aqui outros tipos de acessibilidade necessários às boas condições de vida em qualquer idade, especialmente para pessoas idosas.

Estão listado a seguir os direitos que deveriam ser acessíveis às pessoas idosas que encontram “barreiras” em nossa sociedade.

Alimento e água são fontes de vida indispensáveis à sobrevivência e deveriam ser suficientes para todas as pessoas, em especial pessoas idosas. Barreira: disponíveis apenas para parte da população, variando segundo a localização das redes de abastecimento de água - se em área metropolitana ou em assentamentos (IBGE, 2017).

Saneamento básico é garantia de vida saudável e digna. Barreira: o sistema cobre apenas parte da população brasileira (IBGE, 2017). Segundo a Agência Brasil em 22/07/2020, “o serviço de esgotamento sanitário por rede coletora estava ausente em 39,7% dos municípios brasileiros (2.211) em 2017”.

Renda limitada ou inexistência de renda indicam expressiva desigualdade social que afeta pessoas idosas. Barreiras: há duas situações: (1) a aposentadoria do idoso representa recurso para famílias, fazendo com que disponha de valor menor para uso próprio, que inclui medicamentos e (2) idoso até 64 anos, não contribuinte do INSS, só aos 65 anos terá renda do Benefício da Prestação Continuada (BPC). Grande número de famílias recebe valor inferior ao salário mínimo (IBGE, 2010). Não é considerado no Programa Bolsa Família (complemento de renda e acesso a direitos) para famílias com renda por pessoa de até R$ 89,00 mensais; e para famílias com renda por pessoa entre R$ 89,01 e R$ 178,00 mensais, desde que tenham crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos (Brasil, 2020).

Educação básica completa, composta por ensino fundamental e ensino médio. Barreiras: evasão escolar reduz possibilidade de desenvolvimento de senso crítico, de compreensão da realidade e de exercício da cidadania. O Estado brasileiro tem o dever constitucional de garantir educação básica gratuita, a partir dos 4 anos de idade. Em 2019, era de 31,4% o percentual das pessoas de 25 anos ou mais de idade, segundo o nível de instrução, que tinham ensino médio completo ou superior incompleto. No mesmo ano, entre as pessoas de 65 anos ou mais de idade, 69,6% não possuíam nível fundamental completo (IBGE, 2020).

Trabalho mostra que presença de profissionais 60+ é tendência emergente devido ao expressivo aumento da expectativa de vida a partir da década de 1940, no Brasil. Barreiras: Discriminação por idade com aposentadoria associada a inutilidade e conflito de gerações no ambiente laboral. Entretanto, a revista Forbes enumera “10 razões para contratar e manter trabalhadores 50+”. (Costa, 2019)

Acesso a SUS e SUAS – integrantes da Seguridade Social. Barreiras: desconhecimento dos sistemas de Seguridade Social definidos na Constituição Federal (1988) dificulta usuários na garantia de seus direitos (Martins et al, 2011).

Acesso às artes e à produção cultural. Barreiras: perdas visuais e auditivas dificultam participação social. Há oferta de modalidades de tradução audiovisual com vistas à acessibilidade aplicadas a televisão, cinema, teatro, balé, espetáculos musicais, exposições de artes plásticas (Costa, 2011).

  1. Audiodescrição - para pessoas cegas e com deficiência visual.
  2. Legendagem - para surdos e ensurdecidos.

Referências

Brasil. Ministério da Cidadania. Programa Bolsa Família. 2020.

https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/bolsa-familia/o-que-e/como-funciona

Costa, Larissa M. Audiodescrição, transformação de imagens em palavras: tradução ou adaptação audiovisual? Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 22, Ano 2011 • p. 31-41.

https://abralic.org.br/eventos/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0965-1.pdf

Costa, Silvia M. M. 10 razões para contratar e reter trabalhadores 50+. Site We Age, 2019. https://weage.com.br/site/10-razoes-para-contratar-e-reter-trabalhadores-de-mais-de-50-anos/

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010. Amostra Famílias. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/23/24161

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudos & Pesquisas: informação demográfica e socioeconômica. Síntese de Indicadores Sociais - uma análise das condições de vida da população brasileira. Educação (87). IBGE, 2020.

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Abastecimento de água. IBGE, 2017. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/30/84366

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Esgotamento Sanitário por Rede Coletora. IBGE, 2017. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/30/84366

Martins, Poliana C. et al. De quem é o SUS? Sobre as representações sociais dos usuários do Programa Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva. Volume 16, Número: 3, Publicado: 2011.https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141381232011000300027&script=sci_abstract&tlng=pt

 Organização Mundial da Saúde (OMS). Guia Global: Cidade Amiga do Idoso. OMS: Genebra, 2008.